Bom. Quanto às considerações que urge tecer sobre a época desportiva, lá irei mais tarde.
Por agora, queria apenas aqui esclarecer alguns equívocos que, não sendo esclarecidos na altura certa e por desconhecimento, podem levar a atitudes de desconfiança absolutamente infundadas.
Primeiro, a questão do IMT. Trata-se de uma questão absolutamente normal, prevista na lei para os contribuintes que o solicitarem, e que permite, como aliás está projectado, uma poupança importante de custos no projecto. A fusão da SAD com a Benfica Estádio é uma questão de bom senso e de racionalidade de gestão. Enquanto o financiamento do estádio foi estruturado em
project finance fazia todo o sentido – mais, era um imperativo da estrutura contratual – que a propriedade e os
cash flows resultantes do estádio estivessem isolados numa entidade separada. Agora que o estádio se encontra reembolsado numa medida em que mais nenhum dos outros está (regozijem-se nisto, antes de entrar em pânico com operações financeiras absolutamente normais) e que a estrutura do financiamento passou inclusivamente por uma alteração no sentido da libertação de uma série de garantias e mordaças contratuais tipicamente associadas a um
project finance - passando a assumir praticamente a natureza de uma dação ‘pro solvendo’ - a fusão da Benfica Estádio na SAD e a consequente entrada em espécie para suprir a insuficiência de capitais próprias configura, não só uma operação financeira bem estruturada, mas também uma medida de gestão absolutamente necessária. A isenção de IMT associada especificamente ao projecto é uma questão absolutamente prevista na lei, cuja previsibilidade a permitiu incluir no plano financeiro e que não é novidade absolutamente nenhuma, como alguns órgãos de comunicação social semelhantes a esgotos a céu aberto querem fazer passar. Não se trata de qualquer medida de excepção ou qualquer tipo de favor. O Benfica, como qualquer entidade racional na absoluta e regular posse dos seus direitos, solicitou a aplicação dessa situação prevista na lei. Investiguem quantas isenções solicitaram FC Porco e Sportem.
Segundo, a questão da hipoteca associada ao Centro de Estágio. É uma questão que nem sequer o é. Honestamente, é misturar alhos com bugalhos e apenas surge por desconhecimento do funcionamento do sistema bancário.
O centro de estágio foi financiado pela CGD e é completamente reembolsado pelos
cash flows resultantes dos
naming rights associados ao mesmo (o facto de se chamar Caixa Futebol Campus, essencialmente). É, como vos foi dito, um ‘negócio do caraças’ e apenas possível em entidades cujo poder da marca é gigantesco. Mas, evidentemente, e como é normal em qualquer tipo de operação bancária, o financiamento tem de ter uma garantia associada. A garantia é, como é rigorosamente normal em qualquer tipo de financiamento imobiliário, a hipoteca do imóvel. É para isso que se vai pedir autorização na AG, porque o clube é de todos. Mas passaria pela cabeça de alguém que o banco financiaria o centro de estágio sem ter uma garantia real associada? As hipotecas não pagam nada, como às tantas se diz no post abaixo. A hipoteca não paga Centro de Estágio nenhum. Uma hipoteca é uma garantia, apenas accionada em caso de falta de pagamento. Algum de vocês que tem crédito à habitação, e por mais baixa que seja a vossa taxa de esforço, não tem uma hipoteca do imóvel ao banco? Imaginemos que somos um tipo com um rendimento mensal seguro e de proporções consideráveis. Se solicitarmos que uma instituição financeira nos financie a compra de um imóvel, e por mais rendimento mensal e saúde financeira que tenhamos, a referida instituição solicita inexoravelmente como garantia para a operação a hipoteca do imóvel.
É tão simples como isto, e não tem rigorosamente nada – nada – a ver com a saúde financeira do Benfica. Não tem nada a ver com estarmos ‘vendedores ou compradores’. Não tem nada a ver com termos ou deixarmos de ter passes de jogadores penhorados nos bancos, no âmbito de operações financeiras da sua compra, o que também é absolutamente normal no ramo de negócio, se esse penhor se consubstanciar na garantia associada ao financiamento para a sua compra. E se se quiser ter a verdadeira noção disto, compare-se mas é o que clubes como o FC Porco e o Zbording (essencialmente este) têm hipotecado ou penhorado.
A entrada em Bolsa dá-se exactamente quando previsto, e de acordo com o projectado há já muito tempo a nível da gestão financeira. Dar-se-ia precisamente nesta altura também se tivéssemos sido campeões ou se tivéssemos ganho a Taça UEFA. E nessa altura, dir-se-ia também que era um aproveitamento da conjuntura? Não faz sentido, dada a natureza e volatilidade do negócio do futebol, fazer variar a data de entrada em bolsa consoante os resultados desportivos. Parece-me abusivo e ligeiramente histérico descobrir aqui uma relação menos séria. É infeliz que se tenha dado a entrada em bolsa nestas circunstâncias, mas é assim que tem de ser para se cumprir com o projectado a nível financeiro e é assim que se ganha respeito, consideração e legitimidade no mercado. A cumprir prazos e projecções.
O Benfica hoje, e após um esforço absolutamente admirável das direcções desde Vilarinho, é um clube são, rigoroso e exemplarmente gerido do ponto de vista financeiro, com uma percentagem substancial de receitas estáveis e que não necessita de vender quaisquer jogadores para sobreviver ou cumprir orçamentos. Ao invés de outros clubes falidos e que precisam quase diariamente de empréstimos para pagar as chuteiras dos jovens prodígios que jogam em Academias. O Benfica possui um património a todos os títulos admirável (entre o Estádio, pavilhões que mais nenhum clube possui, Centros de Estágio construídos sem favores) e possui uma estratégia clara e bem definida. É o maior clube do Mundo em número de sócios, produto de um admirável esforço dos responsáveis no sentido de aproveitar o gigantesco potencial humano do clube. O Benfica finalmente, e após anos em que vagueou sem rumo, está no caminho da plena exploração do gigantesco potencial da sua marca e o cumprimento de apenas uma parte da estratégia já permitiu inclusivamente a entrada no Top 20 dos clubes com maiores receitas a nível mundial. É apenas o início.
Portanto, meus amigos, caros companheiros de sofrimento, almas benfiquistas, critiquem a gestão desportiva do clube. Critiquem a contratação de técnicos sem chama e sem alma, sem dimensão de vitória. Critiquem a política de contratações, critiquem o losango. Critiquem a falta de ‘pressão alta’, critiquem a falta de velocidade, critiquem a inexistência de um bloco sólido dentro de campo. Critiquem o pagamento de ordenados a Derleis e a relutância em fazer, de vez, sem novelas e de peito aberto, um investimento com pés e cabeça num jogador italiano que tem Benfica escrito da cabeça aos pés (mesmo que essa distância – da cabeça aos pés – não seja muita). Critiquem as políticas de gestão do plantel, critiquem a gestão dos guarda-redes, critiquem a inexistência de uma política gradual de integração dos jovens talentos do clube na equipa principal. Critiquem a sistemática contratação de promessas do campeonato e o seu gradual desaparecimento nas masmorras do plantel. Critiquem a incompetência de observadores de jogadores, critiquem a incapacidade em perceber o talento. Critiquem, se quiserem o departamento médico. Critiquem as epidemias inexplicáveis de lesões, critiquem a utilização de jogadores sem estarem plenamente recuperados.
Critiquem quem vai ao estádio e assobia jogadores que envergam camisolas cor de sangue, de Águia ao peito, por mais inaptos que sejam. Critiquem quem assobia guarda-redes que defendem a baliza do Glorioso por mais frangos que sejam. Critiquem quem vai ao estádio e acaba por ajudar a equipa adversária ao retirar confiança à nossa. Por pior que a nossa jogue e por pior que seja liderada.
Critiquem a falta de liderança no plano desportivo e critiquem o nivelamento por baixo das expectativas que o anúncio de mais uma época com o amorfo do sr. Engº implica.
Critiquem o perigo do fracasso da gestão desportiva colocar sob pressão o que de bom se fez a nível da gestão global.
Critiquem a proliferação de declarações extemporâneas por quem não possui o dom do discurso, critiquem o facto de se falar numa altura em que se devia estar calado, critiquem as juras de títulos sempre para o ano como forma de lavar tudo o que de mal se fez no ano anterior. Critiquem o facto de se achar que os sócios servem para bater recordes do
Guinness, encher estádios e levar a equipa ao colo mas não servem para manifestar desagrado perante opções desportivas.
Mas não critiquem a gestão financeira do clube. Já não se usa. Não vão em cantigas e em construções de mundos virtuais 'according to' Correios da Manhã, 24 Horas, Records. Não vão em cantigas sobre a gestão financeira do Benfica e sobre ‘aldrabões’, sobre ‘interesses obscuros’ ou sobre ‘dívidas’. Já não se usa. Já não se usa, é injusto e, francamente, revelador de alguma ingratidão.
Percebam isto: estamos ‘compradores e não vendedores’. Temos saúde financeira. Não dependemos das vendas de jogadores para sobreviver.
Tenho de confessar que me custa – é-me particularmente doloroso – assistir a esta esquizofrenia colectiva que se gera no Glorioso sempre que as coisas no plano desportivo não correm bem. É natural que se critique – como não? – as opções do plano desportivo, treinadores, jogadores, sistemas de jogo, atitudes. É até normal que se crie uma revolta difícil de conter: afinal, o lugar do Benfica é lá em cima, sempre, e quando isso não acontece há uma incapacidade em perceber o que é isto de não ganhar (é-nos estranho, não temos essa cultura entranhada, como outros clubes mais pequenos que de vez em quando fazem brilharetes na Taça).
Não é, contudo, normal - e constitui uma falha que não poucas vezes tem sido a principal fonte de fragilização do Glorioso, com o aparecimento dos abutres ávidos de protagonismo do costume - esta tendência absolutamente paranóica de colocar de repente tudo em causa. De repente, tudo o que de bom tem sido feito no clube passa a ser olhado com desconfiança e tudo passa a ser questionado. Apenas porque o Engenheiro é incompetente e porque a política de contratações tem a qualidade da programação da TVI.
Critiquem a gestão desportiva, volto a dizer. E claro, as cúpulas dirigentes têm de perceber que de nada adianta ter uma gestão financeira superior se o motor operacional, o futebol, for gerido de forma incompetente. Não nos enganemos: o futebol e uma atitude ganhadora são os motores da vida do clube. Não perceber isto é não perceber nada.
Mas tenhamos calma e, sobretudo, sentido de Benfiquismo.
Acima de tudo, não façam depender a ida ao estádio ou a renovação de cativos da manutenção ou não do Engenheiro. O Benfica é muito mais que isso. Saibam, também, merecer os cachecóis e camisolas que levam ao estádio da mesma forma que exigem que quem enverga as camisolas cor de sangue dentro de campo as mereça.