1. Embora a época ainda não tenha terminado, e mesmo que venhamos a alcançar o 2º lugar (e consequente apuramento directo para a Liga dos Campeões), é unânime entre os benfiquistas que esta época foi uma desilusão. A desilusão é tanto maior porque, apesar de não termos um plantel extraordinário (mas olhando para os plantéis dos rivais e para o percurso dos mesmo durante a época), penso que tínhamos qualidade q.b. para sermos campeões. Reconhecendo que é mais fácil falar depois de as coisas acontecerem, tornou-se óbvio, a certa altura, que, da forma como o plantel estava a ser gerido, o Benfica dificilmente conseguiria ser bem sucedido em duas competições em simultâneo. Quanto a mim, isto nem é bem um dilema, pois a prioridade deveria ter sido o campeonato. A Taça UEFA teria sido um "nice to have", mas nunca em detrimento do campeonato. Independentemente da qualidade 2ª linha do plantel do Benfica, adivinhava-se (como se veio a confirmar) que a estratégia de submeter a 1ª linha a um grande desgaste seria um erro. Mais valia ter "sacrificado" apenas Taça UEFA. Assim, "sacrificámos" a UEFA e o campeonato. Quanto à imputação das responsabilidades do erro, naturalmente elas têm de ser partilhadas entre treinador e direcção. É à direcção que cabe traçar os objectivos
realistas para a época e apetrechar a equipa com os meios para os alcançar. Ao treinador cabe gerir os recursos disponibilizados pela direcção no sentido de alcançar os objectivos propostos. Se o treinador sente que os recursos não são suficientes para os objectivos propostos, tem de negociar com a direcção uma revisão dos objectivos ou o aumento dos recursos (ou as duas). Trappatoni, há dois anos, foi bastante pragmático: ao invés de alimentar ilusões, e sabendo que o grande objectivo era o campeonato, optou por poupar alguns dos jogadores fundamentais na eliminatória contra o CSKA. Perdemos essa eliminatória, é certo, mas a nossa continuidade na taça UEFA poderia ter inviabilizado a conquista do campeonato. Em suma, Trappatoni teve a coragem que faltou a Santos para enfrentar a realidade...
2. O que se passou esta época não foi, infelizmente, mais do que a repetição do que tem vindo a suceder há mais de uma década (desde que Damásio "desbaratou" por completo o nosso clube, embora já fossem anteriores à sua direcção os sinais de que o Benfica não estava a ser bem gerido: a passagem algo meteórica do Futre foi disso exemplo...). Durante estes anos, o Benfica tem sido confrontado com um dilema: por um lado a exigência, imposta pelos adeptos, de lutar sempre pelo título e por outro lado, a necessidade de uma reestruturação profunda na área do futebol, podendo significar que, durante um par de anos (ou mais...), as possibilidades de competir pelo título sejam mais reduzidas. A prática, ao longo destes mais de 10 anos, é a tentativa de satisfação da exigência de títulos, o que implica, todos os anos a contratação de um punhado de jogadores, volta e meia troca-se de treinador, e raramente tem havido a preocupação de alinhar estas duas questões (escolha do treinador e do plantel). Nos últimos anos, com a actual direcção, o Benfica tem conseguido manter alguns dos seus jogadores nucleares, mas não tem conseguido "produzir" jogadores que possam suprir a sua falta (não apenas pelas qualidades futebolísticas, mas também de liderança). Quando tal acontecer (a saída dos jogadores nucleares), e mantendo a "estratégia" que até agora tem sido seguida, será necessário investir em novos jogadores, sem garantias de virem a corresponder às expectativas, e será, de alguma forma, um recomeçar tudo de novo, numa espiral que parece não ter fim.
O certo é que os resultados destes últimos anos estão a anos-luz de serem satisfatórios.
Urge, portanto, sair desta espiral. É, quanto a mim, necessário romper com o modelo de gestão do futebol que tem sido praticado nos últimos anos (não esquecendo, claro está, que do ponto de vista financeiro tem sido feito um óptimo trabalho e que nas modalidades tem sido também possível assistir a um espectacular ressurgimento do Benfica como clube de topo).
Apesar de os tempos terem mudado, de muita coisa ser diferente no mundo do futebol, do que era nos anos em que o Benfica era a força dominante do futebol português (cada vez mais é um negócio e menos um desporto), talvez não fosse má ideia olhar para o passado, não numa perspectiva nostálgica, mas sim de perceber quais foram os factores que permitiram ao Benfica tornar-se o melhor clube português, sem descurar, como é óbvio, as exigências cada vez maiores que a gestão de um clube de futebol implica.
Um desses factores foi, quanto a mim, a aposta em jogadores jovens com potencial. E o outro, não menos importante, foi, sem dúvida, um enorme espírito de grupo, em que os mais velhos desempenhavam um papel crucial na integração dos jogadores mais jovens, tanto dentro como fora do campo. E há ainda os adeptos, tão exigentes quanto fervorosos seguidores do clube, sem os quais o Benfica nunca seria o maior clube de Portugal.
Estes três factores (espírito de grupo, captação de jovens de qualidade e adeptos) foram, a meu ver, essenciais para que o Benfica detivesse, durante décadas, a hegemonia do futebol português, porque conseguiu ter, durante todo esse tempo, uma equipa de qualidade, graças à capacidade de renovar, de forma tranquila, o seu plantel (e os seus líderes). Isto permitiu fazer crescer (e manter) a
Mística Benfiquista.
Olhando para a actualidade: adeptos temos, a
Mística, mesmo apesar de uma década de insucessos, continua viva. Por isso, quanto a mim, e se queremos que o Benfica volte a ser a potência dominante do futebol português, é essencial que aposte fortemente nos dois primeiros factores que acima referi. E para isso, para além de paciência (sobretudo dos adeptos...), pois os resultados nunca seriam imediatos, é necessário as pessoas certas à frente do clube, e em particular, do departamento de futebol e da equipa técnica. You know what I mean...